Há algum tempo venho cruzando o caminho de um
rapaz que anda numa cadeira de rodas. Quase todos os dias o vejo com seu
acompanhante pelas ruas perto da minha casa. Ele é jovem, deve ter a minha
idade, mais ou menos, e eu o acho muito bonito. Sempre que passo por ele tento
disfarçar o olhar para não deixa-lo constrangido. Me lembro de quando precisei
usar muletas por um tempo por causa de um pé quebrado ou tornozelo torcido.
Bastava eu entrar num lugar que os olhares se voltavam para mim. Na rua, a
mesma coisa. Parecia um misto de pena com expectativa de sei lá o que. Eu cair?
Nunca entendi a quase hipnose que isso causa nas pessoas. Mas vivenciei o
desconforto de estar naquela condição. Me dava vontade de falar: “Que foi? Eu
quebrei o pé, só isso.” Mas era tão óbvio.
No caso
deste rapaz, não é óbvio. Fico imaginando se sua condição é temporária ou
irreversível. Seu olhar me parece triste, tímido e eu sempre tenho cuidado para
não encará-lo muito. Hoje, o vi de novo, com seu acompanhante sorridente,
sempre conversando. Eu estava de bicicleta e os avistei de longe, a quase um
quarteirão de distância, vindo em minha direção. De repente, me deu uma vontade
louca de gritar, quando estivéssemos passando lado a lado: “VOCÊ É LINDO!!” e
sorrir para ele. Eu estava pedalando, então seria tudo muito rápido e, provavelmente, eu não conseguiria ver sua reação. Mas acredito que abriria um sorriso também.
E talvez aquilo melhorasse seu dia, e até um pouquinho da sua autoestima. Eu tive
tempo para pensar nisso tudo e ponderar. Então nos cruzamos. E eu fiquei
quieta. Não tive coragem. Verdade que não saio distribuindo elogios aos gritos
por aí normalmente. Aliás, tirando cantadas machistas, que não são, nem de
longe, elogios, dificilmente vejo acontecer. Mas hoje foi diferente. Senti que
seria um gesto de carinho, que poderia gerar algo bom para outra pessoa. Porém,
não o fiz. Por não conhecê-lo e não saber como ele interpretaria, por medo de arriscar
um ato tão ousado, mas, principalmente, porque crescemos cheios de amarras,
restrições e limitações já pré impostas e nunca paramos para nos questionar se
isto é razoável, se é assim mesmo que queremos ser e o que aconteceria se
fizéssemos diferente. Não podemos ser espontâneos? E, neste caso, nem seria.
Tive vários segundos para avaliar as consequências. Mas não. Mais uma palavra
de carinho ficou guardada, escondida, porque algum dia, alguém resolveu que era
para ser assim. E eu acreditei. Mais uma vez o “e se...” ganhou a cena. Quantos
sorrisos não são dados, quantas pessoas não se conhecem, quantas histórias não
são contadas, quantos sofrimentos não são evitados, quantas pessoas não
reconhecem seu valor, simplesmente porque guardamos, egoistamente, nossas
admirações? Alguns valores da infância realmente não deveriam se perder pelo
caminho... Afinal , o que podemos, o que queremos e o que devemos fazer?
Apesar
disso, algo me diz que um dia nos conheceremos, eu e o rapaz da cadeira de
rodas. Talvez (tomara!!) ele nem precise mais da cadeira nesse dia. Talvez, por
estar sem ela, eu nem o reconheça. Mas seja como for (e se for), eu gostaria de
poder contar essa história pessoalmente a ele. Me faria bem e, acredito, a ele
também. E não há sensação melhor do que a de fazer bem aos outros.
:)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPosso contar uma história bem parecida?
ResponderExcluirNa minha infância e adolescência, todo dia indo pro colégio e depois pra faculdade, eu cruzava pontualmente às 6h45 da manhã com um senhor que descia o Alto da Boa Vista a pé. todo dia.
Ele passou a fazer parte da minha rotina e estranhamente da minha vida. Eu dei um nome pra ele, claro. Era Adalberto, mas eu o chamava se Adalba porque me sentia íntima e na liberdade de apelidá-lo assim.
O nome veio do assassino de A Próxima Vítima, lembra? Sei que não é uma boa homenagem, mas é que ele era careca e parecia o ator.
Ele era tão frequente na minha rotina que eu baseava meu horário por ele... se encontrasse bem na porta do condomínio estava adiantada, se visse lá na ponte era melhor correr porque ia chegar atrasada. Eu me atrasava, mas Adalba era sempre pontual.
Enfim.. assim se foram anos passando pelo Adalba todo dia, até que um dia, um fatídico dia, eu estava no ônibus voltando pra casa, tinha chovido e vi pela janela do ônibus um senhor fazendo sinal. O ônibus passou dele e ele teve que dar aquela corridinha pra entrar. De frente eu não percebi, porque só o conhecia de costas, mas quando ele virou eu gelei, era o Adalba entrando no mesmo ônibus que eu.
Cara, sei que parece besteira, mas eu fiquei nervosa, tipo encontrar um ídolo, sabe? Ele entrou e sentou relativamente próximo de mim e eu fiquei nessa mesma dúvida que você:
Falo com ele? Conto como conheço ele há anos? como brincamos com a rotina dele e como ele é importante pra mim?
Eu já estava ha 3 pontos da minha casa, não tinha muito tempo, tinha vontade mas tinha vergonha porque não sabia como ele ia receber, exatamente como você disse...
Tomei coragem e falei!!! Pedi licença, contei minha história e saí daquele ônibus MUITO FELIZ!!!!
Ele ficou assustado de cara. Eu também estava, mas nunca mais esqueci e tenho certeza que ele também não.
Eu não esqueceria se um dia alguém que nunca vi me contasse que eu faço parte da vida dela há anos..
Acho que vale reavaliar e puxar um papo da próxima vez. E claro, escrever aqui. Agora que sei que você tem um blog, tenho endereço certo pros meus momentos ociosos.
Pra não dizer que não me arrependo de nada, tem uma coisa: eu preferia ter não ter perguntado o nome real dele.
Não era Adalba :(